quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PÉS NO ÍNDICO - GORONGOSA E A MEMÓRIA DO ELEFANTE









A vida começa cedo em África e, surpreendentemente, desperta-me às cinco da manhã como se fossem dez!
O jantar, cerca das 19h, faz-me sempre pensar que estou a anos luz de casa. Mas depois a noite envolve-me e sou absorvida pela calma imensa da escuridão que me embala. O silêncio é, enganadoramente total mas leve. Há um fervilhar de vida em cada palmo de terra.
Decididamente os grandes animais não estão aqui para serem vistos! Durante dois dias perseguimos rastos tão frescos que deixavam no ar o odor acre que os denunciava, vimos-lhes o trajecto nas árvores tombadas, os galhos partidos, mas nem vislumbre sequer.

À noite em conversa com o responsável pela reserva, a explicação: Os animais têm memória sim! E esta reporta-os para os dias tenebrosos da caça desenfreada da guerra civil. Durante esse tempo manadas e manadas foram dizimadas pela fome e pela ganância do lucro fácil em peles e marfim.
Por isso os grandes animais, os chamados big five - o elefante, o leão, o hipopótamo, o rinoceronte, o búfalo- porque vivem mais anos, relembram esses tempos e fogem ao minimo contacto humano.

Em contrapartida a Gorongosa presenteia-nos com uma multiplicidade de aves de todas as cores e tamanhos por entre uma vegetação tão luxuriante como diversificada! É a selva dos nossos sonhos de infância!
Macacos que saltam de ramo em ramo guinchando, pegando em crias, olhando-nos com um ar quase humano. Facoceiros! Centenas de inefáveis, incontornáveis, inevitáveis, facoceiros, de focinho quase pré-histórico donde brotam duas presas pequenas mas que até à distância não deixam dúvidas quanto à sua essência afiada como facas.A franja sobre o dorso, ondula a cada movimento e a cauda ergue-se numa estranha forma de provocação quando fogem. Parecem javalis e há-os por todos os lados.
"Empapala" - aponta o guia.
Ok! De cada vez que se avista aquilo que para mim parece uma corça ou um veado  lá vem a resposta - empapala!- com os "as" muito abertos. Estou em crer que mais que o nome do animal é uma forma de me chamar ignorante.
E porque carga de água hão-de os bichos de ter nome??

Enormes, assustadoramente enormes, pesados, parecem rochas . Apenas as longas caudas dentadas e os movimentos enganadoramente lentos os denunciam. São dezenas de crocodilos aquecendo-se ao sol. Possuem uma ligeireza impressionante num animal tão pesado e a forma harmoniosa como entram na água atrai-me e fascina-me.

Uma nuvem de asas que aterra quse em uníssono, faz-nos atever uma cena  que podia ser macabra se não soubessemos que aqui impera  a lei da sobrevivência. Um bando de abutres e urubus, banqueteia-se com uma carcaça de .... empapala sem dúvida!
Deixam-nos aproximar. Sabem que não são presa para nós e nem tão pouco iremos disputar a sua.

2 comentários:

  1. Cara amiga. Acho que conseguiste captar algo das noites de África e algo des magníficas extensões pouco tocadas ainda pelo homem, como é o Parque da Gorongosa. PArabéns. Esta viagem que vais fazendo pela memória também me faz bem a mim.

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  2. Obrigada seja lá você quem for.Mas deixe que o corrija: não há NADA mas nada que consiga descrever as noites de África!!

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