quarta-feira, 30 de outubro de 2013

MENINOS DE ÁFRICA - LAURA









Se há coisa que me arrebata, que me enche a alma , é esse tratamento de “Mãe” nas ruas.
É como se, de repente por qualquer milagre, todos os meus sonhos se se materializassem e eu pudesse abraçar toda a humanidade.
Gosto de gente! Gente que nos olha no fundo dos olhos e nos despe, vendo o que nem mesmo nós conseguimos enxergar.
Gosto e perco-me sobretudo no olhar límpido das crianças. Umas vezes sorridente, outras ocultando dores profundas, por vezes desafiador, mas sempre assim: límpido , verdadeiro, claro mesmo nos rostos mais escuros.

Ela chega até mim do outro lado do pequeno mureto que separa a esplanada da rua. Tem o cabelo preso por uma fita , que não é vermelha, antes rubra da cor das acácias e que faz contraste com o negro brilhante do cabelo.
Nas mãos o já habitual cestinho onde repousam meia dúzia de saquitos que contêm outros tantos amendoins torrados.
Não me pede nada. Apenas estende o cesto e diz:
- Mãe!
Abano  cabeça num não mudo e desvio o olhar. Mas continuo a olhá-la pelo canto do olho.
Não se mexeu apenas sorriu e o sorriso dela coincidiu com um enorme relâmpago. Fiquei na dúvida qual dos dois terá iluminado a noite.
Ela tinha-me derrotado e sabia-o. Estendeu-me de novo o cesto.
- Vá lá, está bem! Quanto?
- Cinco meticais, mãe.
Reparo agora que tem uma mochila às costas.
- De acordo se me deixares fotografar-te. Pode ser?
Faz um ar falsamente envergonhado onde adivinho uma coqueteria que vai fazer estragos daqui a anos. A ideia faz-me rir e acho que assustei os meus companheiros de esplanada com a gargalhada vinda do nada. Só ela entendeu a linguagem muda  de cumplicidade que se gerou  entre ambas,
Comecei a fotografá-la.
- O meu nome é Mané e o teu?
De novo as pálpebras baixando, as longAs pestanas tocando-se.
- Laura.- responde num fio de voz.
- Ok Laura. E diz-me cá que fazes aqui a estas horas, eihn?
Ela responde-me como se tivesse descoberto que esta mãe é um bocadinho retardada.
- Vendo.
- Mas andas na escola , não? –aponto a mochila.
Acena com a cabeça, agora bem mais à vontade enquanto disparo a câmara do iphone .
- Que idade tens?
- Oito anos.
Como qualquer rapariguinha africana  aparenta bem mais.
- Ouve cá e onde moras?
- Na Matola.
- É pá mas isso é longe!!! Como é que vais para lá a estas horas?
- De Xapa.
- Sózinha?!- e de repente as imagens de raptos , de perigos assaltam-me a imaginação e atraiçoam-me a voz.
- Com as minhas amigas!
Que devem todas ter mais ou menos a mesma idade!
Olhámo-nos de novo e podia jurar que me contou assim em segundos, tudo o que precisava de saber sobre esta África onde todas somos mães de meninos sorridentes.

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