quarta-feira, 15 de junho de 2011

EM NOME DO SUPERIOR INTERESSE

Há coisas que por mais argumentos que me apresentem, por mais que pense, não consigo entender! Não consigo, pronto!
De cada vez que oiço a expressão " Superior interesse de..." fico logo de orelhas ao alto à espera de mais uma decisão a bradar aos céus!
E quando o " superior interesse" culmina com a palavra " criança" eriçam-se-me os cabelos da nuca e quase entro em pânico.
Quantas atrocidades se cometem em nome do "superior interesse da criança"!
Retiram-se crianças que se encontram à guarda de terceiros, com base no argumento de que os filhos devem estar com os pais, mesmo que estes o sejam apenas de nome.
Arrepiam-me o número de casos de crianças que, após terem sido "devolvidas" -  como se fossem uma mercadoria que tivesse sido roubada - aos progenitores, acabam nos bancos de hospital ou na morgue. Vêm depois os remorsos, a indignação,  o passa-culpas e a situação repete-se uma e outra vez. A tragédia duns nem sequer evita a de outros. Os mesmos erros, as mesmas sentenças, o mesmo resultado.
Há bem pouco tempo, em conversa com uma amiga mãe de cinco filhos (5, note-se!) todos eles  jovens adultos, com uma situação financeira estável e confortável ,com um instinto maternal como raramente vi, constatei  uma vez mais que o "superior interesse da criança" é, por definição, uma batata!!
Esta minha amiga e o marido decidiram  que,  agora que a casa se tornara um pouco vazia  uma vez que a maior parte dos filhos tinha abandonado o ninho, estava na altura de darem o imenso amor que fizera das suas crianças homens, a um menino que o não tinha.
Ainda jovens , menos de cinquenta anos, sentiam-se perfeitamente capazes de adoptarem uma criança, de o criarem como seu, de lhe dar um lar.
Deram inicio ao processo de adopção e o calvário começou.
As entrevistas foram inúmeras: " Faltou perguntarem-me o número dos sapatos!" e as situações tocaram o caricato. A gota de água foi a imposição da senhora da Segurança Social em que a criança tivesse um quarto só para ela! Todos os cinco filhos do casal tinham partilhado o quarto com um ou mesmo dois irmãos, essa questão nunca se colocara. Aliás a partilha do espaço alicerçava laços e intimidades. Mas para a Segurança Social a criança precisava do seu espaço ! Numa casa enorme rodeada de jardim de facto uma criança vinda duma instituição onde dorme numa camarata com uma dezena de outros, o espaço torna-se, efectivamente, exíguo!
Desistiram!
Como eles, muitos outros deixaram de lado a ideia da adopção. O processo é tão lento, tão doloroso que esmorece qualquer um. Seria mais fácil se em vez de bébes as pessoas optassem por meninos em idade escolar, contrapõe o sistema. Pois! Mas o processo está definitivamente inquinado! As instituições recebem subsídios de acordo com o número de crianças a cargo, o que desincentiva essas mesmas instituições a  promoverem e agilizarem processos de adopção. Assim as crianças vão -se quedando abandonadas, crescendo de instituição em instituição, criando as defesas próprias de quem tem que sobreviver sem uma familia e muitas vezes sem valores, deslizando, não raras vezes , para a marginalidade. Ninguém arrisca a adopção duma criança assim. É duro, é desumano, mas é real.
Está na hora de se passar dos projectos à prática. Falou-se em tempos , na criação duma rede nacional de adopções? Que é feito?  Neste momento sabe-se, concretamente , quantas crianças estão para adopção e quantos são os candidatos a acolhê-las?
Não faz sentido haver  tantos braços à espera e tanta criança sem colo.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A TRADIÇÃO É AINDA O QUE ERA!!

Aqui numa nesga de terra que todos esqueceram, olhando a aldeia empoleirada numa raia que não divide, não separa, aqui sinto-me em casa.
Hoje é santo António na minha aldeia. Hoje Nave de Haver volta a recordar outros tempos.
Os toiros já não são " roubados" mas sim alugados a ganadeiros de perto e de longe. Mas a aficion, a vontade de fazer reviver os mesmos tempos, essa mantem -se no mesmo grito : " Já lá vêm!!"
Tal como ontem;

"...Ao fundo da aldeia, para lá das hortas do linteiro, ficavam os Campanários, pequeno pedaço de floresta ibérica, pertença dos irmãos do lado e pasto de meia dúzia de toiros bravos.


A guerra civil significa exactamente o que afirma: as baixas são homens e mulheres que nada têm a ver com políticas, ideologias, conflitos e que têm a pouca sorte de serem habitantes duma terra que outros põem a ferro e fogo. Mas esta guerra, talvez por ser fratricida, tenta poupar até ao limite as infra-estruturas , os monumentos , as coisas. Só no limite tudo é arrasado em política de terra queimada e semeada de sal.

Depois dos Campanários, resistindo aos ventos e à demência da guerra, ficava Águila uma pequena ganadaria que ia sobrevivendo graças à afficion das aldeias e vilas em redor.

As touradas, como qualquer outra tradição de folguedo, resistem nas situações mais adversas. É o espírito humano que se recusa a vergar e se manifesta nas pequenas extravagâncias com as quais tenta fintar o medo numa ilusão de normalidade.

Os não aficionados olham as touradas como um espectáculo bárbaro, reminescência dos antigos circos romanos. Não podiam estar mais errados! Claro que é um espectáculo de sangue! Mas também o são os combates de boxe e qualquer corrida de cavalos implica um enorme esforço por parte do animal.

Em arena não se defrontam a inteligência contra a força bruta, como argumentam alguns. Essa é uma perspectiva injusta quer para o toureiro quer para o touro uma vez que negam a um a valentia e a outro a inteligência.

Os toiros de lide existem apenas e só para serem toureados. São uma raça de animal que o homem apurou como o fez com inúmeras raças de cães, para um fim específico: terem galhardia, ferocidade, inteligência, força e beleza para serem defrontados por um homem em clara inferioridade física, munido dum pedaço de pano e de bandarilhas que mais não fazem que aumentar a ferocidade do animal. Não servem como gado de carne, pois que são duros como cornos e muito menos como gado leiteiro. São atletas de alta competição, todo eles músculo. Poucos sabem que, muito embora sangrem quando bandarilhados, a zona do cachaço não possui terminais nervosos, pelo que o bom [do] toureiro é aquele que coloca as bandarilhas no local exacto a não provocar dor.

Mas nada disto importava aos rapazes que na noite de 12 para 13 de Junho dormiram ao relento nas hortas. Durante todo o dia tinham transportado os carros de bois carregados de lenha para as eiras onde improvisaram uma arena . As ruas dentro do possível, tinham-nas “ fechado” de modo a fazerem uma grande manga desde a periferia da aldeia até ao local onde iriam provar a sua valentia defronte dos bichos que se preparavam para pedir de empréstimo. Estavam cansados, mas a excitação impedia-os de encontrar o sono e foram poucos os que conseguiram dormir alguma coisa ali, debaixo do imenso céu estrelado .

Cada um levara a alimária que possuía. A grande maioria retirara à corte da família o burrito que habitualmente ajudava nas lides da terra. Outros mais abonados apresentavam-se de machos, híbridos e teimosos, meio asno meio cavalo, mais robustos mas bem mais difíceis de controlar. Só os filhos das grandes famílias exibiam cavalos, quase todos andaluzes, belos de crinas longas negros, lustrosos, nervosos de narinas aspirando o ar como se conseguissem sentir o cheiro dos toiros do outro lado dos campos.

Mas ali, debaixo das estrelas e envoltos em mantas, sentiam-se todos iguais pois que o mesmo objectivo, a mesma excitação os irmanava.

Não era a primeira vez que se aventuravam daquela forma, mas aquela era uma aventura oficializada pela festa e pelos seus organizadores e isso dava um carácter oficial à coisa! Havia até quem dissesse que o próprio pároco tinha dado o seu amén à iniciativa, mas isso era demais. Afinal sempre se tratava dum roubo! Não seria bem bem um roubo mas um empréstimo com usufruto e isso decerto ia contra algum preceito da Igreja logo nem o padre Francisco poderia abençoar.

Mal suspeitavam eles que a essa mesma hora também não se pregava olho de excitação na casa paroquial. Como padre, Francisco não pudera participar na euforia da preparação do grande evento com que a aldeia pretendia homenagear Santo António. Mas através do sobrinho contribuíra com os seis carros de bois carregados de lenha para o redondel. Agora rebolava-se na cama pedindo ao santo que protegesse os rapazes que em seu nome iam cometer um pequeno crime do qual os absolvia antecipadamente.

Assim que a primeira claridade surgiu, puseram-se os rapazes a pé. Partilharam o pão e a carne frita que haviam trazido e a borracha do vinho acre passou de mão em mão. Os risos e o barulho da noite anterior foram substituídos pelos sons abafados que costumavam usar em noites de contrabando. Até os animais pareciam entender aquela necessidade prudente de silêncio.

Em fila indiana dirigiram-se para os pastos espanhóis onde os toiros aguardavam que os tratadores lhes viessem reforçar o desjejum com grandes baldes de farinha que colocavam em pias estratégicas. Era nessa altura que agiriam. Mais interessados em satisfazer o apetite do que em prestar atenção ao que se passava em seu redor, os toiros estariam vulneráveis a serem cercados e guiados. O momento teria que ser quase milimetricamente correcto. Deveriam aguardar que os tratadores se afastassem e que os animais por sua vez se aproximassem das tinas. Havia tempo! Tratadores e tratados respeitavam as distâncias e tinham os seus próprios timings. Mas um descuido podia deitar tudo a perder. Não eram os toiros que os preocupavam mas sim os homens que, caso dessem conta do que se preparava, não hesitariam a atirar.

- Os gajos estão todos armados até aos dentinhos, carais! E olhai que não têm cartuchos de sal. Aquilo ali é chumbo grosso que atira logo um home prós injinhos em menos dum fósforo – tinham comentado uns e outros na véspera.

Por isso mesmo mantiveram as montadas controladas e camufladas na vegetação até não haver dúvidas de que estavam sós.

Calmamente e de acordo com o planeado ( “ eu mais o Vasco à frente . tu.tu , tu e tu a fechar e os outros ao redor”) dirigiram-se à tina mais próxima onde seis lustrosos e grandes animais comiam placidamente.

O instinto é a defesa mais secreta e eficaz de qualquer ser, humano ou animal! O primeiro suspendeu a refeição, ergueu a cabeça nobre e aspirou o ar. Foi o suficiente para dar com eles.

Carregou contra o cavalo de …. mas o animal lançando mão das suas reminiscências andaluzas inscritas num código genético qualquer, aguentou a carga e redopiando sobre si mesmo colocou-o entre as restantes montadas que já se tinham posto em posição .

Os demais, quem sabe ainda atordoados pelo súbito aparecimento ou porque aquele fosse o chefe da manada, não tardaram a segui-lo no cercado móvel feito pelos cavalos.

Em poucos minutos estavam reunidos seis touros que pareciam quase dóceis assim guiados pelos campos. Os rapazes conheciam–lhes as manhas! Sabiam que não tardavam a olhar em redor e a tentarem sair das baias improvisadas. Era preciso apressarem-se a chegar ao final dos Campanários. Depois podiam pô-los a correr entre si, num passo que, embora representasse maior perigo para que um ou outro fugisse, era mais seguro para o êxito da empreitada.

A trote rápido tentando até ao limite do possível manter o silêncio, o grupo chegou à confluência entre os terrenos dos Campanários e o Linteiro. Ali era terra de ninguém. Outros lhes chamariam fronteira, raia. Para eles naquele momento era a linha que marcava o sucesso da aventura. Exultantes, ufanos, meteram os bichos a galope incentivando-os com gritos. Atordoados os touros tentavam encontrar uma escapatória lateral mas o ritmo a que os obrigavam não lho permitia. Nem mesmo os burricos que seguiam mais atrás os poupavam, correndo a toda a velocidade que as suas curtas patas lhes permitiam, de ventas no ar como se fossem transformar-se dum momento para o outro em corcéis árabes.

Os primeiros garotos que lhes saíram ao caminho saudaram-nos e deram o alerta a toda a aldeia:

- Já lá vêm! Já lá vêm!"





quinta-feira, 2 de junho de 2011

DIA MUNDIAL DE QUÊ?




O JN noticiava ontem, dia Mundial da Criança,  o desmantelamento duma " Fábrica de bébes" na Nigéria.
Tratava-se duma organização aparentemente de acção social , onde adolescentes eram forçadas a engravidar e a dar os recèm nascidos a troco de dinheiro.


Esta prática, infelizmente é mais comum do que se possa pensar, sobretudo em países onde a miséria grassa e onde o nível de sobrevivência força muitas vezes a desumanização, permitindo o aparecimento de abutres sem escrúpulos.

Na fronteira entre Moçambique e a África do Sul, enormes cartazes alertam para o tráfico de crianças, para os fins mais ignóbeis : prostituição, meninos soldados, trabalho escravo, mendicidade, tráfico de órgãos…

O destino de grande parte deste contrabando humano, são os países ditos de primeiro Mundo, que olham chocados para esta realidade, mas que a fomentam.

Tirando os meninos soldados que são na sua maioria recrutados para os conflitos que grassam no continente africano, as restantes situações são fomentadas directa ou indirectamente pelos países aos quais chamamos de civilizados.

Lembro-me de há muitos anos ter lido “ A cidade da Alegria” que se não me falha a memória é da autoria do jornalista Dominique Lepierre e onde ele descreve duas situações dum choque quase insustentável:

Uma é a cena do pai que amputa o filho para que este possa ter mais êxito na sua “ profissão” de pedinte pelas ruas de Calcutá.

A outra é a de uma mulher que, tendo cinco filhos em casa e sem possibilidade de ter mais um e querendo pôr na mesa dos restantes algum sustento, acede a fazer um aborto no sétimo mês de gestação, em condições miseráveis, acabando por morrer . O feto e a placenta seriam utilizados em cosmetologia.

Na altura pensei que estava perante uma ficção utilizada apenas como chamada de atenção para a discrepância social do Mundo em que todos vivemos, sendo que uma grande parte se limita a tentar sobreviver muito a custo.

Porém neste momento reconheço estes acontecimentos como reais e muito próximos de nós.

Os fluxos migratórios caso não sejam devidamente controlados, podem fomentar este tipo de tráfico.
A prostituição infantil é já uma realidade na Europa. A adopção ilegal também. E o resto?

O desespero de quem nada tem, anula a dignidade humana.

Deixemo-nos de olhares chocados e condenatórios e dinamizemos e desenvolvamos os países carenciados. Sem paternalismos. Ficaremos todos mais humanos .